Mundo Interior, um poema de Machado de Assis

Imagem ilustrativa para o post: Mundo Interior, um poema de Machado de Assis.
Abby Sage Richardson, Public domain, via Wikimedia Commons

Quem diria que Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), aquele jovem aprendiz de tipógrafo, gago e epiléptico, filho de pai mestiço em período escravocrata, se tornaria um dos maiores (para muitos o maior) escritores brasileiros?

A vasta obra do autor de ‘Dom Casmurro’ costuma ser dividida didaticamente em duas fases: uma “romântica” e outra, pela qual se notabilizou, “realista”, com suas características de crítica social e pessimismo, ironia e humor ácido, além de seu conhecido “dirigir-se ao leitor”.

Seu livro ‘Ocidentais’ costuma ser visto como uma pequena reunião de poemas exemplificativos do cânone ocidental. Há versos traduzidos, à Machado, de Dante, La Fontaine, Shakespeare e Poe; versos dedicados a grandes poetas e pensadores, como Camões, Espinosa e Gonçalves Crespo, entre outros; e ainda poemas com traços variados — românticos, realistas, naturalistas etc. —, escapando às classificações didáticas.

A seguir, um soneto de ‘Ocidentais’, de Machado de Assis (incluído em ‘Poesias Completas’, de 1901).

MUNDO INTERIOR

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme.

Fonte: ‘Ocidentais’, de Machado de Assis. Obra em domínio público, disponível em:
<https://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/itemlist/category/25-poesia>. Acesso em: 15 jun 2022.

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Vocabulário
Cevar: engordar, alimentar.
Hidra de Lerna: criatura em forma de serpente, com hálito mortal e de muitas cabeças — que renasciam após cortadas —, destruidora de rebanhos e colheitas. Foi eliminada por Héracles, em seus Doze Trabalhos.
Armida: personagem de ‘Jerusalém Libertada’ (1581), de Torquato Tasso, que, por meio de suas magias, encantos e beleza, pretendia reter Rinaldo nos jardins de seus palácios, afastando-o da Primeira Cruzada.

Fonte da imagem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Stories_Old_English_Poetry-0179.jpg
Abby Sage Richardson, Public domain, via Wikimedia Commons.

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Kari Shea karishea, CC0, via Wikimedia Commons
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