‘As Bruxas de Salém’, de Arthur Miller

Imagem ilustrativa para o post: As Bruxas de Salém, de Arthur Miller.
Ilustração de tribunal de Salém, unattributed, Public domain, via Wikimedia Commons

O nova-iorquino Arthur Miller (1915–2005) foi um dos mais importantes dramaturgos estadunidenses do século XX. Notabilizou-se por ‘Morte de um Caixeiro Viajante’ (1949), ganhadora do prêmio Pulitzer, entre várias outras peças, roteiros e livros.

Arthur Miller é famoso também por ser casado com a atriz Marilyn Monroe entre 1956 e 1961. Naquele mesmo ano de 1956, foi denunciado por ter participado de reuniões do Partido Comunista e obrigado a comparecer a inquérito do Comitê Parlamentar de Atividades Antiamericanas. Seria condenado em 1957, por não revelar nomes de outros suspeitos, condenação que foi anulada em 1958, após apelação.

Era a época do macartismo, a “caça às bruxas” capitaneada pelo Senador republicano Joseph McCarthy: uma campanha de repressão apoiada em demagogia e suposto patriotismo, que espalhou o medo de uma extensa influência nefasta de comunistas, ou “vermelhos”, nas instituições governamentais e pelo país, causando a perda de emprego e ruína de centenas de pessoas que figuravam em suas listas. Estavam nelas o escritor Dashiell Hammett, o compositor Aaron Copland, Charlie Chaplin e mais de trezentos outros artistas; para muitos deles significou o fim da carreira [1]. Centenas de homossexuais, chamados de “pervertidos”, também perderam seus empregos e fontes de renda, sob a conjectura de que a “ameaça lilás” era tão perigosa quanto a “ameaça vermelha”. [2]

Em ‘As Bruxas de Salém’ (1953) [3], Arthur Miller escondeu sua crítica ao macartismo — para, talvez, ainda mais ampliar seu poder de persuasão — sob a narrativa do episódio histórico ocorrido no século XVII. Segundo o professor Oliver Tearle:

Miller oferece um dos relatos mais convincentes de mania coletiva e da capacidade humana para a intolerância sem base que o teatro já viu. [4]

Mas o que foram os julgamentos de Salém?

Foram uma série de audiências para apurar crimes de bruxaria supostamente cometidos por moradores da vila de Salém, da cidade de Salém e de outras cidades, na Massachusetts colonial, entre os anos de 1692 e 1694, com centenas de pessoas acusadas e dezenas de execuções e mortes.

É um dos casos de histeria coletiva, ou doença psicogênica em massa, mais conhecidos da história. No “caldeirão”, quer dizer, no contexto, estavam o governo de Massachusetts liderado por conservadores puritanos, extremadas disputas quanto a propriedades e o normalizado ódio a bruxas, haja vista, por exemplo, as distribuições de panfletos contra bruxaria por ministros de igrejas. [5]

Em estudo sobre a literatura colonial americana, o professor Anderson Soares Gomes caracteriza o puritanismo como a força motriz da sociedade colonial norte-americana:

Os puritanos construíram seus vilarejos e depois suas cidades acreditando que assim estariam realizando, através de seu trabalho, o desejo de Deus de criar um novo paraíso, onde os homens viveriam seguindo as leis bíblicas. Assim sendo, o próprio governo tinha o dever de fazer as pessoas obedecerem à vontade divina. Existiam leis, por exemplo, que obrigavam as pessoas a irem à igreja, ou que puniam os adúlteros.
Tal comunhão entre religião e governo foi crucial para que um episódio como o dos julgamentos das bruxas do vilarejo de Salem fosse permitido. Um dos mais vergonhosos momentos da história dos Estados Unidos […] [6]

Inicialmente criticada, ‘As Bruxas de Salém’ veio a se tornar um clássico do teatro estadunidense e a peça mais encenada de Arthur Miller, tendo também várias adaptações para televisão e cinema. Por exemplo, o filme de 1996, com roteiro adaptado pelo próprio autor, direção de Nicholas Hytner, Daniel Day-Lewis — sobrinho de Arthur Miller —, como John Proctor, e Winona Ryder, como Abigail Williams.

Arthur Miller incluiu, entre algumas passagens da peça, um narrador que faz marcantes comentários, como este, antes do início das falas:

A tragédia de Salém, que está prestes a começar nestas páginas, se desenvolveu de um paradoxo. É um paradoxo sob cuja compressão ainda vivemos e ainda não há perspectivas de descobrirmos sua resolução. De modo simples, foi isto: para bons propósitos, até mesmo para propósitos elevados, o povo de Salém desenvolveu uma teocracia, uma combinação de poder estatal e religioso cuja função era manter a comunidade unida e evitar qualquer tipo de desunião que a pudesse expor à destruição por inimigos materiais ou ideológicos. […] Evidentemente, chegou o tempo na Nova Inglaterra em que a repressão da ordem foi mais pesada do que parecia justificada pelos perigos contra os quais a ordem estava organizada. A caça às bruxas foi uma manifestação perversa do pânico que se instalou entre todas as classes quando a balança começou a se virar para uma maior liberdade individual. [7]

– – –

[1] Em: <https://www.pbs.org/wnet/americanmasters/arthur-miller-mccarthyism/484>. Acesso em: 14 abr 2024.

[2] Em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Amea%C3%A7a_vermelha_nos_Estados_Unidos>. Acesso em: 14 abr 2024.

[3] Em inglês, ‘The Crucible’ (“O Caldeirão”).

[4] “Miller offers one of the most compelling accounts of collective mania and the human capacity for baseless intolerance which the theatre has ever seen.” Em: <https://interestingliterature.com/2023/03/best-arthur-miller-plays>. Acesso em: 14 abr 2024. Tradução livre nossa.

[5] Em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Salem_witch_trials>.

[6] GOMES, Anderson Soares. ‘Literatura norte-americana’. Curitiba, IESDE, 2009, p. 19.

[7] “The Salem tragedy, which is about to begin in these pages, developed from a paradox. It is a paradox in whose grip we still live, and there is no prospect yet that we will discover its resolution. Simply, it was this: for good purposes, even high purposes, the people of Salem developed a theocracy, a combine of state and religious power whose function was to keep the community together, and to prevent any kind of disunity that might open it to destruction by material or ideological enemies. […] Evidently the time came in New England when the repression of order were heavier than seemed warranted by the dangers against which the order was organized. The witch-hunt was a perverse manifestation of the panic which set in among all classes when the balance began to turn toward greater individual freedom.” (‘Arthur Miller’s Collected Plays’. New York, The Viking Press, 1968, p. 228. Disponível em: <https://archive.org/details/arthurmillerscol00mill>. Acesso em 14 abr 2024.) Tradução livre nossa.

Fonte da imagem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Witchcraft_at_Salem_Village.jpg
unattributed, Public domain, via Wikimedia Commons.

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Kari Shea karishea, CC0, via Wikimedia Commons
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