‘Laços de família’, de Clarice Lispector

A palavra ‘epifania’, que costuma estar associada a Clarice Lispector, vem do grego e significa, originalmente, uma aparição dos deuses. Para a crítica literária, com base na descrição presente no livro ‘Stephen Hero’, de James Joyce, seria um movimento da mente, um olhar espiritual, uma clareza, uma percepção das situações, mesmo que banais, que elevaria a consciência do momento a outros patamares.

Certamente os autores do conto moderno se interessaram por esses estados que são instrumentos de revelação, embora nem todo momento de revelação seja epifânico. Como proposta e como técnica literária, a linguagem costuma se tornar menos prosaica, mais subjetiva, lírica, metafórica. [1]

Uma autora da literatura brasileira em que os momentos de revelação e os momentos epifânicos costumam ser destacados pelos críticos é Clarice Lispector (1920-1977). Suas personagens podem alcançar esses estados em situações em que o banal se transforma em insólito, e que costumam refletir condições sociais, especialmente da mulher.

No conto “Amor”, de seu livro ‘Laços de família’ [2], frequentemente citado sobre o tema, a carioca Ana volta das compras para casa de bonde quando seus olhos se fixam num cego em um ponto de parada. O bonde arranca, as compras caem, os ovos quebram e sua cesta de rede de tricô fica manchada. Os passageiros riem e tentam ajudar. Ana fica desconcertada, perde seu ponto e desce bem mais à frente. Voltando a pé, atravessa o Jardim Botânico, que está vazio, e decide sentar num banco. Acompanhamos sua consciência. Ana conseguirá voltar para casa, preparar o jantar. Mas o mundo já não será mais o mesmo…

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[1] Duas fontes sobre epifania:
<https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/epifania>. Acesso em: 15 nov 2021.
LODGE, David. Epifania. In: _. ‘A Arte da Ficção’. Porto Alegre, L&PM, 2009.

[2] LISPECTOR, Clarice. ‘Laços de família’. Rio de Janeiro, Rocco Digital, 2020. [recurso digital]

Fonte da imagem:
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Fulviusbsas, Public domain, via Wikimedia Commons.