Em épocas de extrema polarização e guerras, aqueles que valorizam a paz se voltam a iniciativas e métodos que já tiveram eficácia, a fim de testar se podem ser adaptados ao tempo em que vivem. Um destes métodos é a Comunicação Não Violenta, desenvolvida por Marshall Rosenberg.
Marshall Bertram Rosenberg (1934–2015) foi um Ph. D. em Psicologia Clínica estadunidense que teve como mentor Carl Rogers (1902–1987), o desenvolvedor da Terapia Centrada na Pessoa.
Rosenberg trabalhou como orientador educacional mediando conflitos na turbulenta época em que as escolas abandonavam o modelo segregacionista e também entrou em sintonia com o movimento dos direitos civis nos anos sessenta, nos EUA. Mais tarde viria a atuar internacionalmente como mediador e pacificador, fornecendo treinamento a milhares de pessoas em mais de sessenta países. [1]
O processo recebe o nome de Comunicação Não Violenta no sentido em que Gandhi deu à expressão “não violência”: um estado compassivo natural que surge quando a violência se apazigua no coração. Pode ser aplicado a conflitos pessoais, profissionais, sociais e, em escala maior, na mediação de conflitos entre povos.
A melhor introdução à Comunicação Não Violenta talvez seja ler o texto do próprio autor, que “impressiona pela profundidade do trabalho e pela simplicidade das soluções”, como diz Arun Gandhi, neto de Mahatma Gandhi (1869–1948), no prefácio da versão de 2003 do livro. [2]
Marshall expõe que, desde cedo, aprendemos a nos comunicar de forma alienante — em termos de “o que está errado com os outros?” ou “quem merece o quê?” –, e nosso foco foi treinado, portanto, em detectar níveis de erros nos outros e em nós mesmos, aplicando rótulos, comparações, críticas, culpas, humilhações, insultos… Queremos classificar quem é bom, quem é mal, normal, anormal etc. Rosenberg observa, porém, que nossas análises sobre os outros, são, na verdade, expressões de nossas próprias necessidades e valores.
Entre as primeiras formas de comunicação alienante exemplificadas no texto, estão os juízos ou julgamentos moralistas. O autor faz a distinção entre julgamentos de valor e julgamentos moralistas, talvez algo que já tenhamos ouvido desde a escola básica, mas que podemos ter dificuldade em discernir. Marshall relaciona os julgamentos de valor às qualidades que valorizamos na vida, como paz e liberdade; eles refletem nossas crenças sobre como servir melhor à vida. E os julgamentos moralistas são os que relacionamos a pessoas que não se harmonizam com nossos julgamentos de valor, considerando-as erradas ou más. [3]
No prefácio, Arun Gandhi diz que seu avô o ensinou a localizar no mundo a violência passiva, ou emocional, que seria mais insidiosa que a violência física, por ser seu combustível. “Como podemos extinguir um incêndio sem cortar o combustível que inicia o inferno?” [4]
Já a comunicação não violenta de Marshall Rosenberg é um treinamento com foco em esclarecer o que está sendo observado, sentido e desejado, em vez de diagnosticar e julgar. Para o autor, é preciso superar as formas de comunicação alienante da vida, que nos aprisionam em um mundo de ideias sobre o que é certo e o que é errado, um mundo de julgamento, cuja preocupação está viciada em saber “quem é o quê”. Marshall cita uma frase do poeta sufi Rumi (1207–1273): “Para além das ideias sobre o que é errado e o que é certo, existe um campo. Eu me encontrarei com você lá.” [5]
Outra forma de comunicação alienante é a negação de responsabilidade. Rosenberg cita o estudo de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. O oficial nazista Adolf Eichmann, questionado sobre seus crimes, relatou que ele e os demais oficiais tinham sua própria linguagem de negação de responsabilidade, um “burocratês”, usando frases como: “Eu tive que…”. Se perguntados “Por que tiveram que…?”, respondiam com: “Ordens superiores.”, “Era a lei.” etc. Marshall argumenta que a linguagem alienante obscurece a consciência de responsabilidade pessoal; a consciência de que, cada um de nós é responsável pelo que pensa, sente e faz. [6]
É possível assistir ao próprio Marshall Rosenberg em ação neste vídeo com legendas em português (47 minutos) ou nos vídeos do canal do CNVC, no YouTube. [7]
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[1] ‘Albuquerque Journal’. 14 fev. 2015. Consultado em: 22 mar. 2015. ‘Apud’ Wikipedia em português: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Marshall_Rosenberg>. Consultada em: 16 mar. 2024.
[2] ‘Nonviolent communication: a language of life’. 2. ed. Encinitas [California], PuddleDancer Press, 2003, p. XIV [prefácio de Arund Gandhi]. Disponível em: <https://archive.org/details/isbn_9781892005038>. Acesso em: 16 mar 2024.
[3] Id. ibid., p. 17.
[4] Id. ibid., p. XIV, tradução livre nossa.
[5] Id. ibid., p. 15. Tradução livre nossa.
[6] Id. ibid., p. 19 et seq. O estudo a que se refere o autor é o livro ‘Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal’, de Hannah Arendt.
[7] Para vídeos em língua estrangeira, veja como acessar legendas automáticas em português em nosso post anterior, sobre ‘A Montanha Mágica’, de Thomas Mann.
Fonte da imagem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:The_Inner_World_of_OFNR_(NVC).png
Bhuston at English Wikipedia, CC BY 3.0 https://creativecommons.org/licenses/by/3.0, via Wikimedia Commons
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