Em ‘A Montanha Mágica’, Hans Castorp, depois de oito semestres de estudos penosos, havia passado nas provas teóricas e assumiria, na casa Tunder & Wilms, oficialmente — porque ali já executava trabalhos voluntários —, um cargo de engenheiro naval, por sugestão do próprio Wilms, conhecido de seu tio, o cônsul Tienappel.
Porém, após as provas, estando fatigado, o dr. Heidekind exigiu-lhe que passasse algumas poucas semanas nos Alpes Suíços, antes que voltasse a trabalhar com carga total no estaleiro em Hamburgo, exigência que seu tio abonou, porque assim Hans poderia também visitar seu primo, Joachim Ziemssen, este não apenas fatigado, mas de fato doente, que se demorava em um sanatório em Davos.
Ali chegando, Hans pergunta ao primo:
— Você vai regressar comigo, não é? Não vejo impedimento algum.
— Regressar com você? […] quando?
— Ora, daqui a três semanas.
— Compreendo, você já pensa em regressar […] No último exame geral, ele [o dr. Behrens] disse ter quase certeza de que eu teria de ficar ainda uns seis meses.
— Seis meses? Está louco? — gritou Hans Castorp. [1]
Conseguirá Hans regressar no tempo pretendido e assumir sua posição de engenheiro naval na Tunder & Wilms?
Simplesmente responder a essa pergunta não abrange a monumentalidade de ‘A montanha mágica’ (1924), frequentemente listado entre os maiores romances do século XX, escrito por Thomas Mann (1875–1955), ganhador do Prêmio Nobel em 1929 e filho de brasileira [2].
Hans Castorp interagirá com personagens diversas no sanatório, com o enredo assim o tornando uma alegoria da sociedade europeia no período anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Segundo o professor Paulo Astor Soethe:
É possível perceber no romance a reconstrução de elementos que marcaram o período anterior à guerra: a decadência das monarquias europeias, consolidação da ciência e da sociedade industrial moderna, fortalecimento das ideias democráticas, ameaça de sobrevivência de ideias autoritárias, marcante presença de culturas não europeias no cenário internacional, novas possibilidades artísticas e culturais. [3]
Outro tema importante em ‘ A Montanha Mágica ‘ é o embate entre cada indivíduo e as bases consideradas naturais ou impessoais de sua existência:
O homem não vive somente sua vida pessoal como indivíduo; consciente ou inconscientemente, participa também da vida de sua época e de seus contemporâneos. Até mesmo uma pessoa inclinada a julgar absolutas e naturais as bases gerais e impessoais de sua existência […] pode sentir seu bem-estar moral um tanto diminuído pelos defeitos inerentes a essas bases. O indivíduo pode vislumbrar numerosos objetivos pessoais […]; mas, quando o elemento impessoal que o rodeia, quando o próprio tempo, não obstante toda a agitação exterior, carece de esperanças e perspectivas fundamentais […] — então se tornará inevitável, justamente entre as naturezas mais retas, o efeito paralisador desse estado de coisas [….] [4]
– – –
[1] MANN, Thomas. ‘A montanha mágica’. 1 ed. São Paulo, Companhia das Letras, 2016, p. 17.
[2] A mãe de Thomas Mann, Julia da Silva Bruhns, era filha de alemão e brasileira, e nasceu nas proximidades de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro (SOETHE, Paulo Astor. ‘Literatura comparada’. Curitiba, IESDE, 2009, p. 134).
[3] SOETHE, op. cit., p. 159.
[4] MANN, Thomas. op. cit., p. 44.
Fonte da imagem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alps_of_Switzerland_Appenzell,Switzerland(38072033571).jpg
kuhnmi, CC BY 2.0 https://creativecommons.org/licenses/by/2.0, via Wikimedia Commons.
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