Um excerto das ‘Cartas Chilenas’, de Tomás Antônio Gonzaga

Imagem ilustrativa para o post: Um excerto das Cartas Chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga.
Abby Sage Richardson, Public domain, via Wikimedia Commons

Um dos principais poetas brasileiros do Arcadismo, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1809 ou 1810) também foi juiz e participante da Conjuração Mineira (1789), pelo que cumpriu pena e degredo para Moçambique.

A chamada Inconfidência, à época do Brasil Colonial, era separatista: os inconfidentes, sob ideais iluministas, pretendiam transformar a capitania de Minas Gerais em uma República.

Os poemas satíricos das treze Cartas pressupõem uma crítica ferina aos desmandos dos governantes coloniais: a tirania, as injustiças, a hipocrisia, a venda de despachos e contratos, o nepotismo etc.

Em versos decassílabos (dez sílabas poéticas) e brancos (sem rima), elas circularam de forma anônima antes do movimento e eram assim cifradas:

Chile = o Estado do Brasil, a colônia
Santiago (cidade do Chile) = Vila Rica (cidade de Minas Gerais)
Critilo = Tomás Antônio Gonzaga; o eu poético
Doroteu = o poeta Cláudio Manoel da Costa, amigo de Gonzaga; o destinatário do eu poético
Fanfarrão Minésio, governante chileno fictício = Luís da Cunha Meneses, governador da Capitania de Minas Gerais

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CARTA 10a.

‘Em que se contam as desordens maiores que Fanfarrão fez no seu governo.’

Quis, amigo, compor sentidos versos
A uma longa ausência e, para encher-me
De ternas expressões, de imagens tristes,
A banca fui sentar-me, com projeto
De ler, primeiramente, algumas obras
No meu já roto, destroncado Ovídio. [1]
Abri-o nas saudosas alegrias
E, quando me embebia na leitura
Dos casos lastimosos, que ele pinta,
Na passagem que fez ao Ponto Euxínio [2]
Encontro aqueles versos que descrevem
As ondas decumanas; [3] de repente
Me sobe ao pensamento que estas eram
Do nosso Fanfarrão imagem viva.
Os mares, Doroteu, jamais descansam;
Agitam sem cessar as verdes águas,
E, depois que levantam ondas nove,
Com menos fortidão, despedem outra,
Que corre mais ligeira e que se quebra
Nos musgosos rochedos com mais força.
Assim o nosso chefe não descansa
De fazer, Doroteu, no seu governo,
Asneiras sobre asneiras e, entre as muitas,
Que menos violentas nos parecem,
Pratica outras que excedem muito e muito
As raias dos humanos desconcertos.

Fonte: ‘Cartas Chilenas’, de Tomás Antônio Gonzaga. Obra em domínio público, disponível em: <https://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/cartas%20chilenas.pdf>. Acesso em: 14 jul 2022.

– – –

[1] Públio Ovídio Naso (43 a.C.-17 ou 18 d.C.), poeta romano, autor de ‘Metamorfoses’ (8 d.C).
[2] Ovídio foi exilado em Tômis, hoje Constância, cidade da Romênia, na costa do Mar Negro, mar que era antigamente chamado de Ponto Euxino.
[3] Onda decumana ou decúmana: a décima onda de uma série, que os antigos acreditavam ser maior e mais forte que as nove anteriores. Nas ‘Tristes’ (8 d.C), de Ovídio, encontra-se uma passagem sobre as referidas ondas.

Fonte da imagem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Stories_Old_English_Poetry-0179.jpg
Abby Sage Richardson, Public domain, via Wikimedia Commons.

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Kari Shea karishea, CC0, via Wikimedia Commons
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